domingo, 13 de setembro de 2009

BAGULHO


Ela ia andando de lá para cá na avenida central de um bairro da periferia da cidade onde fazia ponto há dois meses. Começara a trabalhar no pedaço logo depois da festinha de seus 18 anos oferecida por sua prima com quem morava.
Aquela noite estava como que morta. Stephany de Mônaco só via carros passando com crianças, mulheres gordinhas de cabelos tingidos de louro e seus maridinhos retesados, uns com bigodes outros não, nos volantes de seus automóveis reluzentes dirigindo-se àquele restaurante em que se come muito por pouco dinheiro com a condição de se enfrentar uma fila que se enrosca em si própria.
Lá no início da avenida Kobrasol, ali perto do clube da terceira idade, surgiram cinco ou seis rapazes daqueles que usam calças largas tipo " grunge " com as cuecas aparecendo e com bonés por baixo do capuz rindo, ou melhor gargalhando, e falando coisas que ela não podia decifrar mas que provavelmente estavam relacionadas a tanta graça. É...talvez houvesse uma ajudazinha de algum bagulho. Ela os havia percebido, pela arruaça, já lá bem longe e quando por eles passou olhou-os de relance e disse baixinho: daí não rola nada, e continuou em frente afastando-se do grupo.
Do outro lado da rua a travesti anã de um peito só agitava no pedaço. Coitada, pensou Stephany, só conseguira dinheiro para uma mamica. A bombadeira, aquela praga, não arredara o pé, não fazia fiado. Giselle do Brejaru estava montada de malha zebra, de peruca lilás e de sandália de plástico transparente que comprara num brechó qualquer. Hoje estava com a dentadura que pedira emprestada a mãe; a dela havia sido roubada pelo único freguês da noite anterior. Correra e gritara atrás dele mas não conseguiu alcançá-lo.
Os rapazes ao passarem por Stephany continuaram a rir e a falar coisas soltas no ar. Moviam-se com andar balançante, algumas vezes afastando-se entre eles outras aproximando-se como se fosse alguma espécie de dança de rua e então sem mais nem menos jogaram sobre ela algo luminoso, um novelo de fios prateados misturados com colorações amarela e vermelha.
Passava um carro pleno de crianças freguesas do tal restaurante de massas quando sentiu uma leve pressão na garganta. Levou a ela a sua hábil mãozinha porém parecia que nada havia encontrado pois logo em seguida surgiu um movimento de desdém em seus lábios. Alisou o saiote vermelho e seguiu em frente olhando fixamente para um lado e para o outro na procura de alguém, um freguês perdido na noite chuvosa e escura. Nada, a não ser uma gargalhada histérica e rouca de Giselle do Brejaru. A pressão na garganta parecia aumentar a medida que caminhava ao longo da avenida e se mostrava agora como que sufocada e bastante irritada. Depois sacudiu suas mãos como se tivesse levado um tipo de choque descrevendo no ar um arabesco qualquer.
Stephany andava cada vez com maior dificuldade empregando toda as forças para se locomover e seus pescoço e cabeça estavam como que puxados para trás. Tentava se desvencilhar daquilo que envolvia sua garganta mas qualquer tentativa era inútil. Havia em seu rosto maquiado um ar de espanto e de incompreensão.
Ela agora era puxada com mais vigor pelo tal fio invisível e luminoso que a enlaçava e a trazia para eles como se fosse uma pandorga sendo recolhida do céu. Parecendo sem ar - a boca aberta, os olhos esbugalhados e as mãos na garganta -andava para trás apesar dos esforços de seguir na direção contrária. Sua fisionomia de repente de modificou e no meio de seu semblante de pavor havia algo como se fosse uma pincelada de prazer, como se estivesse recebendo um carinho do amado. Tinha sacado! Levou a mão direita à bolsinha amarela e daí retirou uma lâmina prateada e num movimento certeiro à nuca cortou o fio que a prendia àquele bando. Eles perderam o prumo desfazendo a coreografia canabinóica e por pouco não se estatelaram no asfalto molhado da noite escura e fria da avenida e então Stephany saltitante correu até o telefone público onde ficou gritando em falsete no aparelho seboso: alô...alô.

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