segunda-feira, 31 de agosto de 2009

ÉSTER


Lá fora o vento sul tenta em vão arrancar as folhas das árvores retorcidas que ficam na parte baixa do terreno da casa de Éster. Logo depois vem o pequeno penhasco onde nesta noite as águas do mar se jogam produzindo um extranho ruido que me deixa tenso, talvez por reacender uma imagem fictícia da invasão da terra pelos oceanos.
Estou sentado em uma poltrona vermelha na sala e pelos vidros da janela posso observar o furor da tempestade. Sinto algo ao meu redor, talvez um movimento sutil, viro minha cabeça levemente para a esquerda e vejo a dona da casa descendo a escada com um objeto nas mãos. Na verdade, um pequeno fichário esverdeado dos lados e com tampa transparente é o que ela está trazendo lá de seu quarto que fica na parte superior da casa dentro de uma torre. Veste uma camisola azul feita de um tecido felpudo e nos pés nada alem da pele fina e branca. Nenhum ruído no seu andar, nenhum som dentro da casa, somente o barulho assustador da noite inquieta e escura . Penso que vai pegar um friagem assim com os pés descalços e a espero no fim da escada com um destes chinelos " do in ", cheios de agulhinhas de plástico.
Senta-se então na mesa oval enfeitada com uma toalha de renda tunisiana. Coloca o fichário encima da mesa e passa a procurar dentro dele por alguma coisa, primeiro na parte em que estão as fichas com letra R,depois vai para as de letra H. Tira dali um papel escrito, uma carta penso, e começa a lê-lo e então esboça um pequeno sorriso que pende para o lado esquerdo da boca.

1977

sábado, 15 de agosto de 2009

A mulherzinha de bermuda bege

Daí ela chegou no açougue vestindo uma daquelas bermudas largas que estão na moda, de tom bege e tecido mole, e tentou furar a fila.

Eu estou muito aflita, disse ela, com muita pressa pois estava no velório de minha tia e de repente me lembrei que meu marido ficara sem almoço e preciso voltar o mais rápido possível. Ele gosta tanto de bife com batata frita, só que hoje vai ter que se contentar com o que tiver. Disse tudo isto com a voz em um tom de vítima mas também denotando superioridade.

A roupa que vestia me irritou de maneira bastante profunda, principalmente pela moleza do tecido e também por ter entrado na moda roupa tão deselegante,então eu falei num tom baixo porém firme: todos estão com pressa e a senhora deverá entrar na fila.

Como último recurso lhe caíram lágrimas mas não cedi. Olhei firmemente para umas lingüiças secas que estavam penduradas perto da balança e até pude ler numa etiqueta azul sua procedência: Jaraguá do Sul. Então me lembrei da tia Wally, dos tempos em que adolescente ia passar férias em sua casa naquela cidadezinha alemã e comia apple-strudel e chocolate dissolvido em leite condensado.

Retornei meu olhar às pessoas e pude ver então o açougueiro sorrateiramente entregando um saco plástico com alguns bifes à mulherzinha de bermuda bege.