segunda-feira, 24 de maio de 2010

SERIA CHOPIN?


Uma melodia, talvez Chopin,chegou-lhe aos ouvidos quando passava defronte a casa dela tirando-lhe instantaneamente o propósito que há pouco fizera de não mais querer se lembrar o nome de um tal senhor.
Afinal de contas,qual é o nome do teu terapeuta, disse ele colocando a cara entre a grade de losangos prateada que protegia a janela da casa da vizinha.
Alguém, alguns dias atrás, ao telefone perguntara num repente, sem se anunciar: alô, alô - ou teria sido ola, ola - o senhor sabe o nome do terapeuta de sua vizinha? A sensação naquele momento era de que podia dizê-lo. O sotaque castelhano, o bigodinho virado levemente para cima - um Salvador Dali tímido - , o sapato preto reluzente de cromo alemão, o corpo esbelto, a barba bem feita eram as lembranças de quando o viu pela primeira vez logo que aportou em Florianópolis vindo de Buenos Aires. Depois outra recordação de anos mais tarde quando o escutara em uma palestra na Universidade e aí já com uma barriga proeminente e barba e cabelos por cortar, ah, já alguns fios brancos em seu cabelos escuros e ondulados. Até o nome da escola psicológica da qual era o porta-voz apareceu no meio do emaranhado de seus pensamentos como um clarão amarelo-ouro entremeado de azul-prateado. O nome dele, contudo, tentou sair das entranhas de seu cérebro mas algo o prendia como se houvesse um muro de fortes pedras cinzentas ao seu redor e pelas frestas por onde a água fluia em dias de chuva ele tentava escapar para a superfície da sua consciência, mas....inútil esforço; a ponta de uma letra se trancara, ou talvez se agarrara, nas bordas de uma pedra.
Como sei de fatos desta mulher, pensou, e um susto tipo relâmpago passou-lhe dos pés à cabeça deixando um mal estar no estômago por alguns momentos. Que saberia ela de mim?
O nome estava lá no emaranhado de suas lembranças com vontade de sair dali, se libertar, mas agora como que enganchado em um monte de anzois ia e voltava na profundidade escura do mar não atingindo a superfície da água. Estrategicamente decidiu esquecer de tudo pois talvez mais tarde um forte puxão, um susto, arrancasse daquela rêde o tal nome.
O bigodinho e o sapato reluzente inesperadamente surgiam de forma frequente a partir daquele telefonema, mas o nome do terapeuta, qual seria?
Daí teve um sonho; tagarelava sobre arte com amigos e conversa vai, conversa vem falou: Marcel Duchamps é o representante da escola....o nome não vinha e quando percebeu o bloqueio pediu ajuda aos amigos oníricos mas ninguém sabia.
Na manhã seguinte já ao acordar o tal bigodinho e o sapato estavam com ele, agarrados nele. Começou a ficar irritado, deixou cair a xícara de café no chão, falou alto com o cachorro e aí fez o propósito de esquecer tudo isto e foi passear pelos arredores de sua casa.
Quando se percebeu estava com a cara enfiada na grade de losangos prateada da janela da casa da vizinha a gritar repetidamente a mesma frase: qual o nome do teu terapeuta? A pergunta feita em tom estridente ecoava casa adentro. Do fundo da residência vinha uma música suave. seria Chopin? Na sala um piano marrom fechado, na mesa alguns livros espalhados e a fotografia de uma menina loura. Nenhum sinal de som humano.
O ruído inesperado de um liquidificador surgiu tirando-lhe do ar e então pode ver no espaço de sua mente uma palavra em neon de diversas cores:DADAÍSMO.
O sonho estava resolvido mas o nome do tal terapeuta, qual seria?

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